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Foto: www.flip.org.br/autores/cecilia-pavon 

 

CECÍLIA PAVÓN
(  ARGENTINA  )

 

Cecilia Pavón nasceu em Mendoza, na Argentina, em 1973. Entre poemas e contos, já publicou mais de 10 livros, tais como ¿Existe el amor a los animales? (2001), Caramelos de Anís (2004) e Un hotel con mi nombre (2012). Junto com Fernanda Laguna criou em 1999 o coletivo, galeria e selo editorial independente Belleza y Felicidad.

 


INIMIGO RUMOR- revista de poesia  - Número 20       Ano???     Editores: Carlito  Azevedo,  Augusto Massi. Rio de Janeiro, RJ:  Viveiros de Castro Editora,  ???  ISSN 1415-9767-00020   No. 01 180
Ex. biblioteca de Antonio Miranda

                     

Tradução MARÍLIA GARCIA

 

BICICLETA ROUBADA SEQUESTRADA

Talvez a revolução esteja em seus corpos e eu não veja

Esta é a história de uma bicicleta roubada
Sei apenas que perto do canal está o dono
ou a dona
Perto do canal,
perto de um canal
Mas esqueci o nome das ruas

Uma madrugada saímos de um bar revolucionário depois de beber
e minha bicicleta esta presa acidentalmente a outra
uma corrente se enredava por entre os cabos do frio e
a mantinha
sujeita a um poste
Todos iam embora
em táxis
em ônibus
em carros que estavam cheios
e eu não podia pegar minha bicicleta
tive que deixá-la ali

Se alguém a encontra ali
quebra o cadeado
e a leva
mas de qualquer jeito era roubada
comprada por um preço muito baixo
no mercado de pulgas
ou em um quintal de fundos suspeito
de uma mulher imigrante
que não se entendia muito bem o que dizia
mas de todo modo dizia:
“esta ser bicicleta minha velha”
“esta não ser roubo”

São três horas da tarde de um dia de verão com vento
As árvores que até agora havia visto secas
movem-se extremamente carregadas
de folhas transbordantes de vida
Em vez de neve, fibra de pólen alongadas que voam
como insetos
Alguém prendeu sua bicicleta acidentalmente à minha
não sei se é um acidente ou um roubo
não sei se é um roubo ou se é a verdadeira dona
que sei que existe porque um dia se aproximou de mim em
[um parque

Eu não sou a verdadeira dona, eu a comprei
por este preço tão baixo
neste quintal
nos fundos
ou mercado de pulgas
de uma mulher com sotaque de estrangeira
de cabelos e jeans gastos
que dizia
“não perigo, esta ser bicicleta minha passado”

Depois de conhecer a felicidade da bicicleta
Estar sem ela é como viver sem asas

Passavam os dias e a bicicleta seguia ali na ponte
o dona não vinha desatá-la, era verão, voava o pólen
manchado de sol
eu pedia bebidas que me faziam mal
como expresso
café
preto
sem leite
olhava para a bicicleta do outro lado da ponte e chorava

A bicicleta rosa presa
através de um cabo de freio
por engano
à bicicleta celeste, oxidada, de um desconhecido

O sequestro da bicicleta roubada acontece
durante a única semana de sol do ano

As coisas grandes
as coisas rara
acontecem em momentos de decisão ou de loucura
por exemplo:
deixar seu país,
cortar o cabo do freio
com um alicate para liberar a bicicleta,
desfrutar
gozar
com o crime
quebrar a roda da outra bicicleta ou
jogar ácido no assento
Algo assim.

A bicicleta era a única fonte de diversão
Agora que está chegando o verão
e há poucas hora de verdadeira noite
a bicicleta era a minha melhor,
minha única amiga
Sei que parece besteira
é até tão simples
mas passeando de bicicleta pela cidade
me sentia livre
a cidade era como um paisagem
que eu podia ver de graça
passando a toda velocidade
pela janela de um trem inter-city
só que a janela não tinha caixilhos
era uma janela sem limites
e rosada
uma janela com forma de bicicleta rosada
roubada
comprada de uma garota
que dizia “não ser perigo, não roubado, minha antes bicicleta”

Eu sabia que era roubada
mesmo assim comprei
Um dia em um parque chegou para mim
a verdadeira dona
uma mulher de uns trinta anos
e disse que essa seria sua bicicleta
mas eu a defendi com unhas e dentes
inventei uma história complicada
com muitas etapas
de como essa bicicleta havia
vindo de Paris de barco
pelo correio, desarmada
em uma caixa de papelão
enviada como presente por um ex-amante

Se me tiram a bicicleta
o que mais me resta aqui?
Sim,
há os cafés revolucionários
onde se discute o futuro do mundo
Mas nada
nada
nada
pode se comparar
a ela.

 

 

*

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Página publicada em dezembro de 2023


 

 

 
 
 
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